TORTURA AO CIDADÃO

Prof. Marcos Coimbra

Membro do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES), Professor aposentado de Economia na UERJ e Conselheiro da ESG.

Correio eletrônico: mcoimbra@antares.com.br

Sítio: www.brasilsoberano.com.br  (Artigo publicado em 19/07 no MM).

 

         As vaias, dirigidas por seis vezes, ao presidente Lula, na ocasião da inauguração do PAN, foram objeto de diversas análises, com diversas interpretações. O fato é que ele sequer conseguiu cumprir a missão de declarar aberta a competição, devido ao constrangimento criado. O argumento levantado de que foi fruto de uma orquestração articulada por adversários políticos, não é consistente. De início, se assim fosse, permitiria a conclusão, em oposição, de que, quando ele é aplaudido, também o é por pessoas agrupadas com este objetivo, por diversas razões. E manipular dezenas de milhares de pessoas em um estádio cheio também não é fácil. O povo nunca vaiou Pelé ou Senna. Médici foi aplaudido de pé no Maracanã.  O mais próximo à realidade é a hipótese de que um pequeno grupo teria iniciado a manifestação, seguida pela maioria dos presentes, já predisposta a manifestar sua insatisfação com Lula e com a situação brasileira. Não só no que concerne à falta de autoridade presidencial, como também ao seu distanciamento da realidade e aos péssimos resultados da gestão pública. Não se pode enganar a todos todo o tempo.

 É fato também que parte dos apupos devem ser debitados à pífia atuação dos políticos e autoridades em geral. Afinal, Lula é o presidente da República em um sistema presidencialista de governo, com poderes quase totais. Nomeou mais de 20.000 “cumpanheiros” e criou quase 40 ministérios e assemelhados. O Legislativo é dominado por ele. O Judiciário possui os ministros da sua mais alta esfera com mais da metade de seus integrantes indicados por ele. Assim, ele é o principal responsável por tudo que ocorre no país, de positivo ou negativo. A onda de corrupção que assola o país não pode mais ser ignorada nem pelos mal informados. É presença constante no noticiário. E a impunidade também.

 Todos, com exceção dos mais ricos, estão insatisfeitos com a elevada carga tributária, especialmente regressiva, imposta aos cidadãos, em escala crescente, bem como com a progressiva supressão de direitos adquiridos, ao longo dos tempos, com muito sacrifício. Toda mudança que vier será prejudicial à classe trabalhadora, em todos os campos, qualquer que seja a origem. Infelizmente, esta é uma certeza da população. Ou alguém acredita que as reformas em discussão (trabalhista, previdenciária, sindical, tributária, política e outras) beneficiarão os menos afortunados? Afinal, o Brasil é um país onde apenas 10% da população auferem 80% da renda. Onde quase 1/3 da renda líquida interna é apropriada pelos rentistas.

E o pior é a contrapartida prestada aos cidadãos no serviço público. Não que seja muito diferente no relativo ao setor privado, mas nele existe a perspectiva de opção, quando existe a concorrência. Nos serviços prestados pelas concessionárias, a responsabilidade pelos abusos cometidos contra o cidadão é de responsabilidade das agências reguladoras, cujos dirigentes são nomeados pela administração pública, as quais em sua maioria existem para defender os interesses das empresas e não dos consumidores. Como exemplo, podemos citar a postura da ANAC contra a sugestão lógica da Aeronáutica e da Infraero de alteração de rotas e escalas impostas pelo duopólio que comanda a navegação aérea no país.

O cidadão sofre uma verdadeira tortura quando procura o atendimento de suas necessidades junto à administração pública, em seus três níveis. Renovar uma carteira, ou realizar a vistoria, ou pedir uma 2ª via da habilitação em virtude de ter sido assaltado, junto ao DETRAN é um suplício. Conseguir a revalidação do registro de sua arma legal, inconstitucionalmente obrigado a registrar o que já havia sido registrado, é digno de ser mais um dos trabalhos de Hércules.Ao ser abordado em uma barreira policial por dois homens empunhando um fuzil intimidador, sem supervisão de um superior, não há como deixar de lembrar da brutal cena exibida em vídeo do tapa na cara desferido por um PM em um cidadão, seguido de sua execução sumária. E mesmo estando com seus documentos em ordem, surge a sensação angustiante de que o carro acabará sendo apreendido, caso não haja um bom “diálogo”. Para retirar o seu veículo sofrerá um suplício de Tântalo.

E existem tarefas piores, como atender às exigências da Receita Federal ou obter esclarecimentos junto ao Serviço de Patrimônio da União, com relação ao foro e ao laudêmio. Na educação surgiu o caso recente de uma bacharel em letras que ganhou na justiça uma indenização do Estado, pois o curso no qual havia colado grau, não tinha reconhecimento legal. Depois daquele triste episódio em que dois irmãos gêmeos na Universidade de Brasília sofreram o constrangimento de um ter obtido o ingresso pelo sistema de cotas e o outro não, tudo é possível. Daqui a pouco vai aparecer a cota para gays. Qual será o critério de comprovação?

Na saúde então o atendimento chega a ser criminoso, digno de campo de concentração, com pacientes idosos, crianças, sendo submetidos a uma verdadeira escolha de Sofia, em virtude da carência de meios. Na segurança pública, somos obrigados a ficar trancafiados em casa ou a traçar rotas menos perigosas, de acordo com o noticiário, para tentar prevenir o pior. De fato, viver no Brasil está ficando difícil!