O CASO TERMINOU SEM VÍTIMAS

Artigo publicado em 06.09.2001 no Monitor Mercantil

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia na Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG

                   O ministro da Justiça, Sr. José Gregori, declarou no Jornal Nacional, do dia 30 de agosto, que estava feliz, pois o caso terminou sem vítimas. Estava referindo-se à tragédia iniciada com o seqüestro da srta. Patrícia Abravanel, filha do empresário Senor Abravanel, libertada após o pagamento de resgate, culminando com a manutenção do empresário como refém por cerca de sete horas. A primeira vista, ninguém entendeu nada. Afinal, o "cidadão" Fernando Dutra Pinto assassinou os policiais Tamotsu Tamaki e Marcos Bezerra, além de ferir outro. Como, então, não houve vítimas? Dois chefes de família mortos e o ministro da Justiça afirma que estava feliz? Contudo, analisando a atual conjuntura nacional, no tocante à segurança pública, percebe-se que a frase tem razão de ser.

                   Afinal, o Sr. José Gregori foi o mesmo que lutou com todas as forças até obter a libertação dos seqüestradores do empresário Abílio Diniz, um brasileiro e vários estrangeiros (chilenos e argentinos), apesar de sua classificação como crime hediondo. Desta forma, não é de espantar a qualquer pessoa razoavelmente informada o caos vigente. S. Exa. Sempre foi da área de direitos humanos, que, infelizmente, no Brasil, caracteriza-se pela defesa veemente dos marginais e por ignorar as vítimas. Por isto, não causa espécie a assertiva, aparentemente tresloucada, do responsável maior pela segurança pública, na área federal.

                   A insegurança predomina no país, agravando-se em especial com a ascensão ao poder da administração FHC, em 1994. Não há uma política nacional de segurança pública. Inexiste sincronia entre os diversos sistemas que atuam no setor: judiciário, ministério público, subsistema penitenciário, polícias militar e civil, diversas polícias federais e guardas municipais. Não há entrosamento nos níveis federal, estadual e municipal, nem sequer no âmbito de cada Estado. Há falta de recursos financeiros e materiais, treinamento ineficaz, comando incapaz, sem autoridade, salários inadequados, meios de comunicação adversos, ambiência desfavorável e inapetência governamental para enfrentar o problema. A submissão econômica ao FMI agrava a situação. Recessão, desemprego, miséria, pois pagamos anualmente R$ 120 bilhões de juros da dívida interna e US$ 15 bilhões de juros da dívida externa.

                   A sucessão de equívocos e omissões no episódio estudado é numerosa. De início, o descuido do rico empresário na sua segurança particular, abrindo a guarda para ações do tipo,considerando a leniência dos meios preventivos e repressivos de segurança pública. Não estamos culpabilizando a vítima, mas apenas flagrando o fato de que já é o segundo seqüestro na família Abravanel e outros poderão, in felizmente, acontecer. A seguir, a ação precipitada, sem a devida cobertura, no "flat". A falta de cobertura policial à mansão da vítima, quando o criminoso fugiu, após matar os policiais. O atendimento a todas as exigências do seqüestrador, por parte de autoridades inabilitadas para o diálogo. Até o governador do Estado de São Paulo cumpriu o determinado pelos bandidos, contrariando todas as regras mundiais de negociação.

                  

                   Segundo a doutrina da Escola Superior de Guerra, "Segurança Interna é a garantia relativa, para a Nação, de que seus Objetivos Permanentes estão sendo alcançados e preservados, em face de sua capacidade para superar quaisquer ameaças a esses objetivos, de origem interna ou externa, que   produzam efeitos internos".  Já "Segurança Pública é a garantia relativa da manutenção da ordem pública, mediante a aplicação do poder de polícia, encargo do Estado". "Ordem Pública é a situação de tranqüilidade e normalidade que o Estado assegura, ou deve assegurar, às Instituições e aos membros da Sociedade, consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas". Entretanto, como os fatores adversos podem se projetar no universo dos antagonismos, há uma possível proximidade entre as questões de Segurança Pública e de Segurança Interna. Eis a área cinzenta. Por esta razão, em caso de uma situação onde haja grave comprometimento da ordem pública, grave iminente  instabilidade institucional ou comoção grave de repercussão nacional cabem atitudes repressivas executadas pela expressão militar e política do Poder Nacional, de acordo com os artigos 134, III, 136 e 137 da Constituição (intervenção, estado de defesa e estado de sítio). Em caso de luta armada, então, a atitude é operativa, de responsabilidade preponderante da expressão militar. Por isto, as Polícias Militares devem ser subordinadas à Força Terrestre, na qualidade de Força Auxiliar. Afinal, seu efetivo total, nos 27 Estados, ultrapassa em muito ao efetivo total das Forças Armadas Brasileiras, de cerca de 300.000 integrantes. E para haver intervenção das Forças Armadas, deve haver antes a solicitação prévia de um dos três poderes da República (Executivo, Legislativo ou Judiciário).

                   Apesar do esforço de contenção da explosão social, exercido pela mídia amestrada, as reações começam a surgir. Saques ocorrem no Nordeste, fugas em massa em presídios em todos os recantos do país, bloqueios de marginais são feitos nas principais ruas de cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, propiciando assaltos de motoristas pelos organizados bandidos

                   É evidente que a solução principia pela adoção de medidas preventivas capazes de reverter o caos existente e pelo fortalecimento das instituições existentes, com implementação de um sistema integrado que estabeleça sintonia  fina entre elas, com a reativação da Inspetoria Geral  do Exército para coordenar a ação das Polícias Militares, pelo maior investimento em treinamento, adestramento e  aprestamento, pelo pagamento de salários dignos, pela criação de uma Guarda Costeira, no âmbito da Marinha ou da Polícia Federal e  pela integração das Guardas Municipais ao combate à violência, sob o comando de um Estado Maior  das Forças Armadas. Não é preciso criar mais uma  polícia, mais uma guarda, para enfrentarmos os problemas existentes. Caso somemos os efetivos de todos os órgãos de combate ao crime, incluindo as empresas particulares de segurança, vamos ter uma surpresa. É gente demais! A experiência mostra que, quanto mais órgãos são criados, mais aumentam as razões de insegurança, devido à dificuldade de administrar o sistema global, em função da superposição de funções.

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