EM DEFESA DO BOM SENSO

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia junto à Universidade Candido Mendes, Professor aposentado  na UERJ e Conselheiro da ESG.

Artigo publicado em 02.09.2004 no Monitor Mercantil.

 

        A ninguém é lícito, moral e ético julgar alguém ou algo sem ouvir os dois ou mais lados envolvidos. Qualquer estudante de direito reconhece a importância do contraditório. Isto porque haverá sempre três verdades: a do acusador, a do acusado e a verdade verdadeira. Nos regimes totalitários, é evidente que isto não existe. Funciona apenas a "verdade" dos detentores do poder político. Infelizmente, é isto que estão pretendendo impor ao mundo e, em especial, ao Brasil.             

       Os sicários da globalização procuram impingir ao mundo a crença de que ela é irreversível e os povos somente possuem uma opção: aderir a ela. Caso não o façam, ficarão a margem da História, transformando-se em párias. Contam para isto com  a prestimosa colaboração de Instituições respeitadas, de acadêmicos influentes e da quase totalidade da imprensa mundial. Os neoliberais procuram impor seu ideário aos principais países do mundo, agindo por intermédio de organizações diversas, inclusive organismos internacionais como o FMI, Banco Mundial, BID e até de ONGs. Através da coordenação da Trilateral, usam associações como o Diálogo Interamericano e sua conseqüência lógica, o denominado Consenso de Washington, para criar o pensamento único na comunidade mundial.

       O genial escritor Eric Blair, pseudônimo de George Orwell, escreveu várias obras magistrais. Mas, sem dúvida alguma, "1984" marcou toda uma geração. Previu o que poderia acontecer no mundo futuro, só não acertando a época precisa. Hoje, no início do terceiro milênio, os piores pesadelos dele tornaram-se realidade. O "Grande Irmão" existe e está cada vez mais presente. Governos instalam câmaras de TV para vigiar os passos da população, inclusive nas vias públicas, a pretexto de manutenção da segurança. Empregados marcam o ponto por intermédio de impressões digitais. Satélites monitoram todas as atividades de porte na superfície terrestre, sendo capazes até de identificar os movimentos de um homem. No melhor estilo de Gramsci, todos os centros de irradiação de prestígio cultural são dominados, um a um, pelos "donos do mundo", apátridas, possuidores do capital transnacional.

       Erodem os valores e princípios da sociedade. Destroem as instituições basilares (Família, Igreja, Escola, Forças Armadas e outras). Assumem o controle das Universidades, transformando-as em "shopping centers". Dominam os meios de comunicação de massa (jornal, rádio, TV), impondo-lhes, de fato, um pensamento único, aquele imposto pelo "globoritarismo"( totalitarismo da globalização). Em nome da liberdade de imprensa, praticam a mais acirrada das censuras, impedindo o acesso à chamada grande imprensa dos que não comungam com suas idéias. Os que discordam somente possuem acesso à imprensa alternativa. E, mesmo assim, são eliminados quando começam a incomodar. Ou economicamente, ou moralmente, ou judicialmente.

       Na implementação do nefasto plano, vão ocupando, através de sicários, os principais cargos da administração pública, nos Poderes Executivo e Legislativo. Existe porém um obstáculo. A dificuldade em ocupar os cargos no Judiciário, pois seu preenchimento é via mérito, a não ser nas Altas Cortes, onde o critério é político. A indicação é do Presidente da República, com a apreciação por parte do Congresso. Daí surgem outros expedientes. A propalada reforma do Judiciário, por exemplo. Poucas pessoas sabem que a citada reforma é uma das exigências contidas no famigerado Acordo com o FMI. Com isto, pretendem colocar também o Poder Judiciário, a reboque dos seus interesses. Além disto, com o tempo, existe a ocupação de cargos nas Altas Cortes por cidadãos comprometidos com os anseios dos "donos do mundo".

       O regime democrático somente subsiste quando há um sistema de contrapesos funcionando entre os três Poderes, que devem ser harmônicos e independentes. Na medida em que isto diminui, a democracia passa a correr sérios riscos. A recente e polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a taxação dos inativos, após parecer contrário inclusive da AGU (Advogacia Geral da União) foi equivocada no entender do professor Paulo Bonavides, um dos mais respeitados juristas do mundo. Segundo ele : "Esta foi uma decisão política, não uma decisão jurídica. Do ponto de vista político, estamos correndo um grave perigo neste País ao criarmos um terceiro golpe de estado. Há o golpe de estado clássico, mais tradicional, que derruba presidentes da República. Há o golpe de estado institucional, que é o das chamadas ditaduras constitucionais e, em terceiro lugar, surge um novo golpe de estado, o golpe de estado desferido pela toga, pelo Poder Judiciário na própria Constituição. Foi isso que aconteceu com o atentado ao direito adquirido nessa decisão do STF, no caso da taxação dos inativos. A meu ver, foi uma decisão deplorável".

       Mesmo saindo do campo jurídico, não há justificativa moral, nem mesmo econômica, que justifique tal violência cometida contra os aposentados e pensionistas. No âmbito econômico, basta que a COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) não seja desviada para o pagamento de juros da dívida interna, para que o sistema previdenciário, tanto o público quanto o do INSS seja superavitário. No campo moral, como defender a cobrança de uma nova contribuição sobre os  rendimentos de aposentadorias e pensões, com seus valores já defasados ao longo do tempo, por ações e omissões das diversas administrações públicas, de quem contribuiu, de acordo com a legislação vigente, alterada também por diversas vezes em prejuízo dos beneficiários? A desculpa de que não há recursos é injustificável. Afinal, há recursos para serem "doados" interna e externamente, sem limite, em inúmeras ações sem retorno, ao arbítrio do humor dos atuais detentores do poder político no país.

       Urge que o povo brasileiro lute, em todas as frentes, para o retorno do Brasil aos quadros constitucionais vigentes.

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