DEMOCRACIA ILUSÓRIA

 

Artigo publicado em 14.03.2002 no Monitor Mercantil.

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia na Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG

         Todos os estados brasileiros estão em ebulição com a eclosão da campanha eleitoral para presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais. Está em plena vigência a possibilidade de recandidatura dos atuais detentores do poder estadual, sabiamente alcunhada de reeleição, pelo povo, pois é muito difícil um governador no exercício do cargo, sem necessidade de pedir licença ou desincompatibilizar-se, com pleno domínio da máquina administrativa, perder a eleição. Recursos financeiros, escassos para os outros candidatos, são abundantes para os que estão no poder. As empreiteiras e fornecedoras dos órgãos estaduais são pródigas em concessão de doações aos atuais governadores, interessadas em ganhar licitações e concorrências milionárias, hoje e na expectativa do amanhã. São ainda milhares de cargos em confiança, ao dispor de S.EXA. Os comissionados sabem que perderão seus cargos, caso não se engajem na sua postulação a permanecer no cargo. E a legislação eleitoral é tão rígida que obriga qualquer servidor público a afastar-se do cargo, noventa dias antes do pleito, para evitar a possibilidade de utilização do cargo para influenciar eleitores. Agora, com a aprovação da emenda constitucional que permite a recandidatura, o presidente da República, os governadores e os prefeitos podem permanecer em seus cargos. E o limite que separa a atuação lícita do governador, por exemplo, e sua ação como candidato é tênue. E a justiça eleitoral fica em dúvida, pois ela aplica a lei formulada pelo Congresso que é, propositadamente, omissa. Na dúvida, quase tudo é permitido.

         E a atuação da mídia também é altamente preconceituosa. Há ligações  incestuosas entre proprietários de veículos de comunicação, bem como de editores, jornalistas e vários candidatos, em especial aqueles que estão no poder, com o privilégio de destinar verbas vultosas de propaganda e publicidade, da ordem de centenas de milhões de reais para quem desejar. Desta forma, basta acompanhar o noticiário diário das revistas, jornais e TV, para verificar quem apóia quem. Há candidatos que ocupam meia página, com direito a foto, todos os dias, com destaque para as atuais autoridades no exercício do cargo. Outros aparecem de vez em quando. Os demais são candidatos secretos. Só aparecem quando é obrigatório ou para serem atacados.

         Assim, fecha-se um círculo vicioso. Os candidatos detentores de maiores recursos aparecem mais nos meios de comunicação e na propaganda eleitoral. Os "outdoors" são democraticamente sorteados, porém quem não tem recursos próprios ou dos empresários, não consegue pagar seu aluguel, sendo obrigado a abrir mão deles para os abastados, que acabam ficando com todos. A seguir, os institutos de pesquisa, realizando seu mister, apuram o óbvio, isto é percentual maior para os "riquinhos" e menor para os demais, às vezes nem citados, ou mencionados com percentuais ínfimos. Como a maioria das pesquisas é paga justamente pelos que possuem recursos em abundância, as diferenças são acentuadas. O povo, geralmente, não aprecia votar em candidato que não tem condições de vencer, votando nos que estão na frente nas pesquisas, fechando-se o círculo vicioso, não virtuoso.

         O horário gratuito eleitoral também não é igualitário. O tempo destinado aos candidatos a presidente e governador é calculado em função da bancada federal de cada partido, não no dia da promulgação do resultado, mas sim numa data aleatoriamente escolhida pelos políticos, de acordo com sua conveniência. E as alianças eleitorais, por milhões de razões, nem sempre as mais éticas, proporcionam a alguns candidatos mais de sete minutos. A outros, pouco mais de 30 segundos, por dia de apresentação. Os debates são desprezados pelos candidatos que estão na dianteira, com medo de mostrar sua fragilidade e cair nas pesquisas. São as regras do jogo impostas pelos oligarcas no poder. Em cada estado, não é difícil prever o que vai acontecer. É a perpetuação no poder, que se passa ao longo de gerações, de pai para filho. E chamam a isto de democracia! Como sair disto e conseguir obter uma verdadeira democracia? Surpresas e acidentes de percurso acontecem, mas constituem exceções.

         E o pior é a manutenção do famigerado “voto eletrônico”, onde o resultado das eleições é apurado em curto espaço de tempo, porém sem possibilidade de recontagem dos votos, para comprovar sua validade. Apesar de todas as denúncias procedentes e sérias formuladas, praticamente nada foi mudado para estas eleições. Somente a conferência em 5% das urnas, previamente escolhidas. Desta forma, o sistema não é confiável e coloca em dúvida a lisura de pleito tão importante para o Brasil.

         Urge a movimentação de todos os cidadãos, em especial dos partidos políticos, no sentido de alteração urgente das regras do jogo vigentes, propiciando maior seriedade e transparência a todo o processo eleitoral.

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