CONCENTRAÇÃO DE PODER

Artigo publicado em 11.04.2002 no Monitor Mercantil.

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia junto à Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG.

                   O processo de globalização imposto pelo sistema financeiro internacional ao mundo, através dos adeptos do denominado neoliberalismo, forma atualizada de neocolonialismo, vai provocando os efeitos maléficos, denunciados por nós há muito tempo, apesar das promessas enunciadas de benefícios crescentes, por parte dos seus adeptos. A pobreza que se alastra, o aumento frenético do desemprego, a exclusão social disseminada, a criminalidade dominando progressivamente todos os setores da atividade humana, em especial nos países menos desenvolvidos, são conseqüências inexoráveis de tal proceder. Nos casos em que a miséria absoluta tornou-se desesperadora, são realizados movimentos pontuais de perdão parcial de suas dívidas externas e declarações retóricas de dirigentes dos principais agentes da tirania financeira: FMI e Banco Mundial.

                   Suas respectivas preocupações com o enriquecimento brutal dos países mais desenvolvidos e de suas respectivas elites não serão transformadas em atos capazes de minorar a atual tragédia vivenciada no mundo. Os dados são estarrecedores. Nos EUA, 1% da população controla 60% da renda nacional. No Brasil, o decil superior (10% mais ricos) apropria-se de quase 50% do total da renda nacional. Mas, de fato, só colocaram despidos os governantes que, por exigência do próprio FMI, correm o risco de restringir até verbas sociais para pagar juros das dívidas externas e internas. Vão continuar como eram. O Financial Times já advertiu que as declarações progressistas do Fundo "não podem minar sua ênfase tradicional na prudência financeira". E acrescenta: "Um crescimento rápido ajudado por investimentos externos fará muito mais pelos pobres do que a caridade do ocidente". Só que, na prática, cresce a exclusão social, quando tal receita é implementada. E o próprio Sr. Camdessus, ex-dirigente do FMI, já tinha declarado, pouco tempo antes de sair da presidência: "O Consenso de Washington não acabou". E a diretora do Fundo para o hemisfério ocidental arremata: “A única coisa nova é a tentativa de perdão de parte da dívida dos países de extrema pobreza. De resto, nada mudou no FMI".

                   Analisando o assunto, dois eminentes professores americanos, Joel Kotkin e David Friedman, afirmam que "o alargamento do abismo entre pobres e ricos ameaça a integridade futura dos Estados Unidos". Se eles estão preocupados com o que ocorre dentro do  país mais rico do mundo, imaginem com os demais países? O primeiro mundo sabe  que não terá imunidade num mar de desgraça. A ingovernabilidade ameaça o mundo não contemplado, principalmente  na Ásia, África, América Latina. Multidões de párias crescem todos os dias, em paralelo à multiplicação de sentimentos antiocidente. E vários destes países possuem poder nuclear, como a Rússia. Há o perigo de ocorrerem descontroles de desdobramentos imprevisíveis. Enquanto isto, europeus e americanos gastam US$ 37 bilhões por ano em perfumes, cosméticos e comida de animais e querem continuar a despender  mais nestes itens. Sua propensão marginal a consumir de bens supérfluos ainda é elevada. E a concentração de renda facilita este perverso processo.

                   Por exemplo, o Japão realizou uma fusão bancária que criou o maior banco financiador de trocas comerciais do mundo. O Eximbank japonês se fundiu com o Fundo de Cooperação Econômica Ultramarina, criando o Banco Japonês para a Cooperação Internacional, com valores financiados hoje no mundo de US$ 208 bilhões. E exemplos semelhantes vão acontecendo em outras partes do mundo. No Brasil, tivemos o anúncio bombástico da incorporação da Garoto pela Nestlé. A nova empresa, resultante da fusão, ficará com uma fatia em torno de 60% do setor de chocolates em geral no país, caracterizando a constituição de um monopólio, de fato. De início,   tudo é azul. Depois, virão as conseqüências inevitáveis: fechamento de fábricas, desemprego de milhares de trabalhadores, aumento de preços para os consumidores e outras. Alguns colegas economistas profetizam que a indústria brasileira terá que tomar o caminho das fusões para sobreviver ao avanço da globalização no próximo milênio, principalmente nos setores onde o tamanho é documento, como o de bens de capital e alta tecnologia. E os efeitos são conhecidos: desnacionalização da economia, extinção do Estado Nacional Soberano, destruição do que ainda resta da indústria nacional, desemprego, exclusão social, pobreza, miséria, amputação de direitos adquiridos, retorno do trabalhador à condição de escravo etc.

                    No Brasil, a edição do jornal Valor Econômico representa a aliança entre o grupo líder na TV, com mais de 70% da audiência média no Brasil e o jornal de maior circulação na nação, considerada sua categoria. É a união  de duas das mais poderosas famílias (cerca de sete), que controlam as comunicações no Brasil. E com as perspectivas da abertura do setor de imprensa aos estrangeiros proximamente, considerando projeto de lei em estudo no Congresso, não é demais supor que entrará um grupo estrangeiro na associação com 1/3 das ações, criando-se assim um gigante que terá o monopólio da informação econômica no país. Nos bastidores do mercado  já se anuncia o nome do possível sócio alienígena: "The Walt Street Journal". Se hoje cada um destes grupos já é capaz de derrubar ou nomear ministros, imaginem agora, com a nova situação. É poder demais concentrado em mãos de muitos poucos. A amplitude de ações a serem empreendidas pelas novas associações é inimaginável. E o que fazer  no Brasil para impedir isto, supondo-se que haja vontade política para tal?  Considerando a legislação atual, nada. É muita confusão! Nos EUA, há leis rígidas que impedem tal tipo de concentração de poder na imprensa. Ou os grupos que possuem veículos escritos não podem ter veículos de rádio e TV, ou não podem operar em escala nacional e sim regionalmente. Por que só copiar    o negativo e não o positivo dos EUA? Nunca o governo dos EUA    permitiria tal concentração de poder em um ou dois grupos. É muito risco para a forte democracia norte-americana. Lá há no mínimo três grupos poderosos, em igualdade de condições, disputando a audiência palmo a palmo. Há o respeito à divergência de opiniões. Aqui, cada vez mais, caminhamos    para o monopólio das informações, consolidando  a "ditadura constitucional" em que vivemos.

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