BALANÇO DE 2000

Artigo publicado em nov/dez 2000 no jornal O Esquadro.

 

Estamos no limiar do terceiro milênio. O mundo passa por profundas transformações. Da bipolaridade existente entre a URSS e os EUA passamos à hegemonia de uma nação única, os EUA, porém coexistindo com uma multipolaridade econômica. O mundo dividiu-se em grandes blocos, os BER (blocos econômicos regionais): CEE, NAFTA, ÁSIA, o que restou do COMECON. A América do Sul e, em particular o Brasil, procura inserir-se soberanamente nesse contexto, com a criação do Mercosul, de dimensões modestas, diante dos gigantes enunciados. Mas o objetivo é atrair os demais países da América do Sul, a fim de transformar o Mercado Comum do Cone Sul no Mercado Comum da América do Sul.

No Brasil, vivenciamos a mais grave crise da história pátria. Apesar de possuirmos inúmeras condições para sermos uma das potências mundiais emergentes do terceiro milênio, ao lado da China, falta principalmente vontade política para concretizarmos tal objetivo. Somos detentores de abundantes recursos naturais, de um território continental, de um povo maravilhoso, porém não temos sido felizes na escolha de nossas administrações. Aliás, a rigor, elas tem sido impostas através do uso intenso da mídia amestrada, que só expõe positivamente os candidatos patrocinados pelo sistema financeiro, da manipulação dos resultados dos institutos de pesquisa de opinião pública e de eleições sem a devida fiscalização. Daí resulta que a atual administração escolheu, de início, uma forma de inserção dependente e não soberana no mercado internacional. Não temos independência na condução de nossos destinos, pois a atual administração optou por enquadrar-se no rígido modelo determinado pelo FMI, o qual não foi bem sucedido em nenhum país do mundo que o tenha adotado. Pelo contrário, no momento, a Malásia, que rompeu com este sistema, é um dos países que tem obtido maiores índices de crescimento do produto real.

Na expressão política, não encontramos partidos que possuam as mínimas condições para exercer o seu papel principal de intermediários entre o povo e o governo, com raras exceções. Não possuem ideário, tábua de valores, doutrina, princípios programáticos bem definidos. E quando os possuem, não os aplicam. Na realidade, o seu verdadeiro objetivo é assumir o poder, não como um meio para alcançar os objetivos nacionais permanentes, mas sim como um fim para auferir benesses e vantagens. A Nação foi dividida em "capitanias hereditárias", onde cada região ou estado é dominado por um "cacique" ou por uma plutocracia, combinando não só o poder político, como o econômico e o controle dos meios de comunicação de massa. Desta forma, são imbatíveis eleitoralmente falando, perpetuando-se no poder e transmitindo-o de pai para filho (a), ao longo dos tempos. O Poder Executivo legisla por intermédio de medidas provisórias, usurpando a função do Poder Legislativo e procurando controlar o Judiciário, configurando uma verdadeira ditadura constitucional monolítica. E o sistema já está preparando a figura do sucessor, através da apresentação de dois ou três candidatos que, apesar de aparentemente independentes e de oposição, servem aos mesmos interesses, os da tri-lateral e de seu representante nas Américas, o Diálogo Interamericano e, em conseqüência, ao Consenso de Washington.

Na expressão econômica, as previsões mais otimistas, de economistas ligados ao governo, apontam um crescimento da economia em menos de 4% em 2000, após uma ano de estagnação econômica. É bom lembrar que um resultado abaixo de 1%, positivo ou negativo, possui, na prática, o mesmo significado. A atual administração persiste na tresloucada idéia de privatização selvagem, em atendimento aos interesses externos. Nossas principais riquezas e empresas continuam a ser "doadas" a preços aviltantes, aos alienígenas. Nossa infra-estrutura econômico-social continua sendo destruída. As comunicações já foram entregues. Antes, havia a Embratel, estatal que garantia a qualidade do setor, investindo em pesquisas e cobrando preços razoáveis. Hoje, está entregue a uma empresa estrangeira americana, a MCI. Os preços sobem alucinadamente e os serviços pioram. O transporte, em grande parte sob o regime de concessão ou permissão, é um setor onde os empresários privados atuam em cartéis, dominando o mercado e livres de uma efetiva fiscalização. As principais rodovias e estradas vão sendo privatizadas e seus felizes concessionários cobram pedágios extorsivos, como o caso da Via Lagos, que extorque inexplicáveis R$ 13,40 (ida e volta) a cada fim de semana. Até os aeroportos estão ameaçados de privatização. O problema é que, continuando o mesmo padrão dos outros setores, vão ocorrer falhas graves. A diferença é que, ao invés do estrago de um eletrodoméstico, vão começar a cair aviões, com centenas de vidas em jogo. Mas as autoridades também viajam de avião. A energia também está sendo entregue. A distribuição já foi. Agora, querem "doar" a geração e transmissão, esta última quando e se for lucrativa. Até cometem a insanidade de tentar vender Furnas, uma das jóias da coroa. E os estrangeiros que, é lógico, serão os compradores, não estão interessados em investir. Querem comprar, com recursos do BNDES, o que está pronto e lucrar, demitindo funcionários, aumentando preços e deteriorando serviços. As conseqüências são previsíveis. Falta de energia. "apagões", enfim o inferno que está ocorrendo nos outros setores privatizados. Os combustíveis vão subir de novo e o BNDES vai preparando a Petrobras para ser privatizada. O depósito compulsório atinge 55% dos depósitos à vista, a taxa de juros arbitrada pelo Bacen continua elevada, em 16,5% ao ano, os juros cobrados pelo sistema financeiro aos cidadãos chegam a ultrapassar 200% ao ano. A dívida interna ultrapassa R$ 500 bilhões e a dívida externa chega a US$ 240 bilhões. Só de juros da dívida o país deve pagar, no presente ano, cerca de R$ 80 bilhões. Ao setor externo deverá pagar, como em 1999, algo em torno de US$ 25 bilhões de juros, lucros e dividendos, montante equivalente ao ingresso total de capital externo, a título de "investimentos diretos". É o preço da desnacionalização de nossa economia, antes brasileira. O déficit público nominal ultrapassa 8% do PIB e o saldo do balanço de pagamentos em transações correntes será deficitário em torno de US$ 26 bilhões. Os preços são brutalmente elevados. Os índices oficiais de inflação não refletem a realidade diária. O IPCA e o INPC ultrapassam, nos doze últimos meses, a meta de 6 % de taxa de inflação ao ano fixada com o FMI. O IGP-M, no mesmo período de tempo, supera 15% ao ano.

Na expressão psicossocial, o desemprego continua elevado, em torno de 17,3 % da população economicamente ativa (PEA), com um total de mais de 75 milhões de brasileiros, segundo o DIEESE. Não é exagerado supor que o Brasil possui atualmente cerca de 12 milhões de trabalhadores desempregados ou parcialmente desocupados. A saúde pública é sucateada ao paroxismo. Não há dúvida de que é a preparação para a privatização. Atualmente, quem não tem um plano particular de saúde está condenado à indigência. Está fadado à morte, sem assistência médica adequada, sem dignidade. E quem tem, apenas passou a ter aquilo que todos nós possuíamos anteriormente. Assistência pública de razoável categoria. A educação pública também está sendo sufocada, com verbas cada vez menores, para permitir a expansão do ensino privado. O ministério da Educação utiliza critérios altamente questionáveis para avaliação dos cursos e das entidades de ensino superior. Os avaliadores de hoje serão os reitores de amanhã. São as leis do mercado. A insegurança cresce avassaladoramente. E os "policiológos" de plantão, ligados a ONGs internacionais e nacionais, como o Viva Rio, procuram soluções esdrúxulas, como o desarmamento dos cidadãos dignos e de bons costumes e criação de uma polícia "boa" e outra "ruim", ao invés de cumprir seu dever, realizando o que o povo deseja: reduzir a criminalidade. Os bandidos vão bem, obrigado, e deliciam-se com a incompetência das autoridades. A previdência pública está sendo aniquilada, para permitir o domínio do setor pela iniciativa privada.

Na expressão militar, o sucateamento imposto às Forças Armadas, os baixos salários e a crescente perda de sua capacidade operacional, em conjunto com a criação do ministério da Defesa, impossibilita-as, na prática, de cumprir suas missões constitucionais, como a manutenção da integridade do patrimônio nacional. A Amazônia corre sério risco de internacionalização e nossas Forças Armadas não têm condições de, numa guerra convencional, mantê-las, segundo declarações de seu ex-comandante.

Infelizmente, esta é a análise possível de ser feita, com um mínimo de critério, isenção e imparcialidade, ao final deste ano. Contudo, nem tudo está perdido. O bravo povo brasileiro cansou de dar provas concretas, no passado, da sua capacidade de superar condições adversas, ultrapassá-las e retomar o caminho inexorável do desenvolvimento e da segurança, capazes de levá-lo a atingir a ordem e o progresso, a fim de ser a potência do terceiro milênio.

Marcos Coimbra, Conselheiro Federal

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